O senhorzinho chega ao portal andando em passos curtos. Encontra-se com o repórter e fala que está bem, apesar dos comprimidos diários para controlar a pressão. Conta que ganhou ponte de safena em 2001 e que resiste firme até hoje. Animado e falador que só vendo, nem parece que seu Augusto Nadalutti tem 95 anos de idade. Mora na casa de uma filha, ali pelas bandas do estádio do Guarani. Está “de castigo”. É que, há dois anos, o homem morava sozinho em um apartamento no Centro. Achou que podia se empoleirar no bidê para fechar a janelinha do banheiro. Caiu um tombão. A história só não teve um final trágico porque a empregada o encontrou. Então, para não dar mais sustos na filharada, ele concordou com a mudança. O que pouca gente no quarteirão sabe é que Nadalutti foi, ao longo de toda a vida, um cidadão célebre. Foi um dos maiores senão o maior presidente da história do Aeroclube de Campinas, entidade que já brevetou cerca de dois mil pilotos. Quem passa hoje em dia lá pelo Campo dos Amarais, encanta-se com o número de hangares e aeronaves que sobem e descem. E pode nem imaginar que, uma década depois de fundado, o aeroporto correu o sério risco de fechar as portas por pura incompetência do governo municipal.
Vamos ao causo que parou a cidade na época: Augusto era, nos anos 1940, diretor da Panorama S.A., uma empresa criada por campineiros ilustres com o simples objetivo de povoar barrancas do Paranazão. Para se chegar à prometida “nova fronteira agrícola paulista”, os desbravadores viajavam até Tupã (ponto final da estrada de ferro), pegavam uma condução até Lucélia e atravessavam 80 quilômetros de picada na mata até a beira do rio. Pois aí o moço – diretor comercial, que levava documentos e dinheiro em lombos de burro achou que precisava viajar de avião. Entrou no aeroclube campineiro, fez 12 horas de aula com o instrutor, encarou o exame e passou. Ganhou o brevê.
Ah, detalhe, a cidadezinha, que ganhou o nome da empresa, ainda era um esboço. Ele próprio, Nadalutti, construiu a pista de pouso às margens do velho Ribeirão das Marrecas e a inaugurou a bordo do velho PA 18, uma das três aeronaves disponíveis nos Amarais. O rapaz, que já tinha fama de desbravar o sertão, ganhou mais moral ainda com os outros pilotos. Foi indicado para o cargo de tesoureiro e, logo em seguida, ganhou a eleição entre os associados para presidir a entidade em 1950.
Só que ele encarou um problemão. O Campo dos Amarais tinha sido fundado em 1939, em uma área de 12 alqueires que pertencia à Fazenda Chapadão. Ficou acertado, no termo da cessão da gleba, que a Prefeitura se responsabilizaria pela manutenção do aeroporto e que, vencido o contrato de dez anos, teria direito a adquirir a área. Acontece que oito prefeitos passaram pela cadeira mais importante do Paço e nenhum teve o cuidado de lavrar a escritura de compra.
Aí Nadalutti virou o protagonista da novela. Assim como não tinha dinheiro para o terreno, a Prefeitura suspendia, radicalmente, investimentos na estrutura do aeroclube. Ele mesmo montou uma operação maluca, que levou para o Largo do Rosário um avião, empurrado de madrugada pelas avenidas até o Centro. Lá começou a campanha popular para arrecadar recursos e salvar as finanças da entidade, que estava mergulhada em dívidas.
Também foi à Capital Federal de chapéu na mão e pediu ajuda para compensar o abandono municipal. Quando o mandato acabou, o aeroclube não tinha apenas as finanças saneadas, como mantinha nos hangares dez aeronaves. Entre elas estavam as modernas PT 19, doadas pelo Departamento de Aeronáutica Civil (DAC de então). O reconhecimento à dedicação do homem se transformou em diploma de mérito, cedido pelos dirigentes em 2003. Ele também tem o título de presidente emérito do aeroclube, mas o maior prêmio veio há dois anos. Ao lado de uma instrutora – e com respeitáveis 93 anos de idade -, o homem decidiu pilotar. E, após voar, fez um pouso perfeito nos Amarais. “Nossa, foi divertido. Acho que a moça estava morrendo de medo. Mas deu tudo certo”, ri. Não deu outra. Otaviano Alves de Lima, então proprietário da fazenda, fechou a venda da área para o Exército. O aeroclube seria despejado em 1949. E a Prefeitura, naquela altura, não tinha um centavo em caixa para honrar o negócio. Aí apareceu o salvador Manoel Alexandre Marcondes Machado, o Lito, um médico que tinha sido prefeito em 1947. Sua própria família tirou do banco 120 mil cruzeiros (um dinheirão naquele tempo) e acalmou o fazendeiro. Graças a um apaixonado pela aviação (aliás, brevetado em 1939), o aeroclube ganhou fôlego.
Fonte: Correio Popular/Revista Metrópole – Campinas 18/05/2014
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